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Reposição de Testosterona

INTRODUÇÃO

 

   Em 1944, foi publicado no Journal of the American Medical Association um artigo histórico intitulado “O climatério masculino”, síndrome que era caracterizada por nervosismo, redução da potência sexual e libido, irritabilidade, cansaço, depressão, alterações da memória e distúrbios do sono1. De acordo com o autor, quadro comparável ao observado na menopausa. Contudo, em contraste com a menopausa que é um processo bem caracterizado, universal e que está associada com absoluta falência ovariana, no homem a redução dos níveis de testosterona é de início e progressão lenta e pode não atingir todos os homens. Não é raro haver homens com idade avançada e níveis adequados de testosterona. Em função disso o termo “andropausa” foi abandonado. Ao longo do tempo muitos nomes foram atribuídos a redução dos níveis de testosterona, tais como síndrome do envelhecimento masculino, hipogonadismo masculino, hipogonadismo de início tardio, deficiência androgênica do envelhecimento masculino (DAEM) e mais modernamente deficiência de testosterona. Os termos mais aceitos na literatura médica são hipogonadismo e deficiência de testosterona.2A produção de testosterona ocorre nos testículos a partir de um sistema de sinalização hormonal que se inicia no hipotálamo. O hipotálamo é uma porção do cérebro que faz a ligação entre o sistema nervoso e o sistema endócrino, sendo responsável pela manutenção do equilíbrio (homeostasia) do corpo humano. Através de hormônios inibidores ou ativadores da produção de outros hormônios o hipotálamo controla grande parte das funções corporais tais como: batimento cardíaco e pressão arterial; temperatura; apetite e peso; secreção glandular do estômago e intestino; ciclo do sono e a síntese de testosterona no homem e do estrogênio na mulher. No caso específico da testosterona, o hipotálamo estimula a hipófise anterior (por meio do GnRh –hormônio liberador das gonadotrofinas) a produzir os hormônios luteinizante (LH) e folículo estimulante (FSH). No testículo, o FSH estimula a produção de espermatozoides e o LH estimula a produção de testosterona.3A testosterona circula no sangue em três formas: ligada a SHBG (globulina transportadora de hormônios sexuais) ou a albumina e na forma livre. A ligação com a SHBG é de alta afinidade de modo que essa testosterona não consegue ter ação nos órgãos-alvo. Assim, a testosterona biodisponível está livre ou ligada à albumina.4A produção de testosterona apresenta um ritmo circadiano com o pico de concentração ocorrendo de manhã entre 7 e 11h.5Uma vez liberada na corrente sanguínea, a testosterona é convertida pela enzima 5 alfa redutase em DHT (dihidrotestosterona). A DHT é considerada a forma ativa da testosterona por ter uma afinidade pelo receptor androgênico (RA) 10 vezes maior. Uma vez que a DHT se acopla ao RA ocorrem uma série de reações químicas que levam a produção de proteínas e fatores de crescimento.6Essa síntese proteica ocorre por exemplo na musculatura estriada gerando aumento de volume e força.7,8Mas a ação da testosterona não está restrita ao músculo, ela age nos ossos (aumento da densidade)9,10, na medula óssea (produção de glóbulos vermelhos)11,12, na pele (oleosidade, pelos)13, próstata14,15, fígado16e sistema nervoso central.17A ação da testosterona ocorre por meio da ligação ao receptor androgênico (AR). O AR é composto por um domínio de ligação hormonal C-terminal que ajuda na especificidade do ligante, um domínio central de ligação ao DNA que se liga a genes alvo responsivos a andrógenos e um domínio N-terminal que influencia a eficiência da transcrição. A estrutura de leitura aberta é separada em oito exons. O grande domínio amino-terminal é codificado pelo exon um, que inclui as repetições CAG altamente polimórficas. Os exons dois e três codificam o domínio de ligação ao DNA e os exons quatro a oito codificam a informação para o domínio de ligação do hormônio esteroide (ligante). Quando os andrógenos se ligam ao AR, ele é ativado, e no núcleo, se liga a sequências específicas nas regiões reguladoras dos genes alvo. Trabalhos recentes têm chamado à atenção para as características intrínsecas do receptor androgênico sugerindo uma associação inversa entre o número de repetições CAG no domínio amino-terminal e a atividade do AR. Assim, repetições CAG curtas (<10) fazem com que o AR aumente sua atividade. Em contraste, a expansão da repetição CAG (>40) leva a um nível de atividade do AR abaixo do normal. Essa pode ser uma possível explicação para os pacientes que mesmo fazendo uma reposição adequada de testosterona continuam apresentando sintomas de hipogonadismo.18Uma parte menor da testosterona é convertida em estrógeno (hormônio feminino) pela enzima aromatase, presente com mais frequência na gordura abdominal. Em indivíduos obesos essa conversão ocorre com mais intensidade fazendo com que a concentração da testosterona diminua e a de estrógeno aumente. Em função disso, nos homens obesos a ocorrência de ginecomastia (aumento do volume das mamas) é relativamente comum.19  Os níveis de testosterona diminuem com a idade na razão de 1% ao ano e este declínio é mais pronunciado na testosterona livre em virtude do aumento dos níveis da SHBG com o passar do tempo.20,21A diminuição da testosterona já pode ser observada ao redor dos 35-40 anos e exerce forte influência nas alterações corporais associadas à idade (como por exemplo, obesidade abdominal, redução da massa muscular e óssea, declínio cognitivo e disfunção erétil).22Estudo conduzido por Muligan23com 2.162 voluntários com idade acima de 45 anos demonstrou que níveis de testosterona abaixo de 300ng/dL podem ser observados em cerca de 35-40% dos casos. Deficiência de testosterona está associada a aumento no risco de morte em homens com idade mais avançada independente de outros fatores. Estudo publicado por Shores24(2012) avaliou 1.031 homens com idade acima de 40 anos com testosterona menor ou igual a 250ng/dL. A reposição de testosterona foi iniciada em 398 homens e os pacientes foram acompanhados por 4 anos. Foi observada uma taxa de mortalidade nos indivíduos tratados de 10,3%. Entre os não tratados essa taxa foi de 20,7%. Muraleedharan25(2013) estudou 238 homens com diabetes tipo II e testosterona abaixo de300ng/dL. Destes, 64 pacientes receberam TRT. Após um seguimento de 41 meses foi verificada uma mortalidade duas vezes maior entre os homens sem TRT (20,1%) quando comparado aos indivíduos com TRT (9,3%).

 

DIAGNÓSTICO DA DEFICIÊNCIA DE TESTOSTERONA (DT)

 

   O diagnóstico da DT requer a presença de sinais e sintomas sugestivos de redução dos níveis de testosterona (Tabela 1) e a demonstração laboratorial dessa diminuição. No diagnóstico laboratorial existem algumas divergências. Se tomarmos por base o preconizado por diversas sociedades médicas (American Urological Association, American Society of Andrology, Endocrine Society, European Association of Urology, European Academy of Andrology, International Society of Andrology, International Society for the Studyof the Aging Male) vamos observar que o nível de testosterona total a partir do qual se indica a TRT varia de 250-350 ng/dL.26Nem todas as sociedades consideram a testosterona livre como critério para TRT (como a Associação Americana de Urologia, por exemplo) mas experts como Abraham Morgentaler aconselham seu emprego tendo em vista o aumento do SHBG que ocorre no envelhecimento.27A testosterona deve ser medida pela manhã entre 7-11h e quando seu valor está abaixo do normal um segundo exame é necessário para confirmação. Pacientes sintomáticos e com níveis de testosterona abaixo de 300-350ng/dl são candidatos à terapia de reposição hormonal. Muitos pacientes questionam se a TRT é um tratamento temporário e se no futuro o testículo irá voltar a produzir níveis adequados de testosterona. A resposta é depende da causa da DT. Existem situações irreversíveis (perda dos testículos por câncer ou trauma, por exemplo) e reversíveis. Na tabela 2 são descritas condições clínicas que se tratadas podem contribuir com o aumento dos níveis de testosterona. Na deficiência de testosterona associada ao envelhecimento podemos afirmar com certeza que a função testicular não irá normalizar. Pelo contrário, a tendência é de piora progressiva. Portanto, uma vez iniciada, a TRT só mantém os seus benefícios enquanto for continuada

 

FORMAS DE REPOSIÇÃO DE TESTOSTERONA

 

   Como já comentado, devem receber tratamento os pacientes que apresentam sinais ou sintomas de deficiência androgênica) e tenham níveis baixos de testosterona total (<300-350ng/dL) ou livre (<6,5 ng/dL-10,0 ng/dL). Para alguns experts, quando a testosterona livre estiver baixa o valor da testosterona total passa a ser menos importante. Os pacientes devem receber testosterona por um período inicial de 3-6 meses, sendo que o objetivo do tratamento é a melhora dos sintomas. Existem diversas formas de reposição de testosterona disponíveis no Brasil: 1) Gel transdérmico de uso diário. Produzido comercialmente com o nome de Androgel®, tem apresentação única de 50mg/dia. Dever ser aplicado diretamente na pele (normalmente no ombro por ser uma região com menor pilificação). O gel seca em 2-3 minutos, depois disso o paciente pode se vestir. O gel ainda pode ser manipulado em diversas concentrações o que ajuda a corrigir eventuais problemas de absorção da pele. 2) Cipionato de testosterona. Nome comercial Deposteron®, para uso intramuscular a cada 2-3 semanas. O Cipionato tem a vantagem de atingir rapidamente bons níveis de testosterona. A concentração máxima ocorre 3-4 dias após a aplicação. Uma desvantagem é a frequência das aplicações; 3) Undecanoato de testosterona. Para aplicação intramuscular a cada 2-3 meses. Existem três marcas de Undecanoato no Brasil, Nebido®, Hormus® e Atesto®. A vantagem do Undecanoato sobre o Cipionato é o maior intervalo de aplicação. Contudo, os níveis de testosterona atingidos são inferiores e o custo é bem mais elevado;4)Testosterona para implante subcutâneo: Ainda não há no Brasil implantes fabricados pela indústria farmacêutica (mas já estão disponíveis nos EUA). Os implantes já são manipulados por farmácias magistrais em território nacional há alguns anos. Representam uma boa opção para reposição tendo em vista que o tratamento pode ser personalizado. Os implantes podem ser produzidos em diferentes concentrações e podem ser colocados mais de um implante em cada paciente. Cada implante dura em média 6 meses e após esse período devem ser recolocados. 5)Testosterona via oral: O undecanoato de testosterona foi aprovado recentemente nos EUA para uso via oral. Comercializado como o nome Jatenzo® é vendido em cápsulas de gel que devem ser tomadas a cada 12h. Não tem passagem hepática e,portanto, não é hepatotóxico. A oxandrolona é a testosterona mais estudada pela Medicina. Diferente de outros agentes orais alquilados ela é absorvida no intestino por via linfática não tendo efeitos hepáticos adversos. Foi desenvolvida com foco em pacientes em estado de caquexia, como grandes queimados e pacientes com câncer avançado. Não é indicada no tratamento da deficiência de testosterona em homens saudáveis.

 

BENEFÍCIOS DA TESTOSTERONA NA SAÚDE DO HOMEM

 

   Estudos avaliando saúde geral e níveis de testosterona apontam que: 1) níveis normais de testosterona estão associados com maior qualidade de saúde e aumentam a longevidade do homem; 2) os níveis de testosterona total (ou testosterona livre) podem ser considerados um indicador da saúde geral masculina, superando as taxas de colesterol, glicose e até mesmo o antígeno prostático específico (PSA) e 3) a terapia de reposição hormonal traz benefícios para a maior parte dos homens com deficiência androgênica, frequentemente com melhora na qualidade de vida. 28, 29Alterações na composição corporal também ocorrem com a terapia de reposição de testosterona (TRT). di Sante30estudando 58 homens com testosterona baixa observou que a TRT reduziu a gordura corporal em 1Kg e que a massa muscular aumentou em 1,2Kg. Esse é um achado importante porque não houve intervenção na dieta ou na prática de atividade física. A troca de gordura por músculo pode ser atribuída somente ao efeito da testosterona.A Síndrome Metabólica (SM) é uma condição que tem por base a dificuldade da insulina em exercer suas funções no corpo humano (também chamada resistência à insulina). Existem critérios para que se tenha o diagnóstico de SM: 1) obesidade central (circunferência abdominal superior a 88cm); 2) hipertensão arterial; 3) diabetes; 4) Triglicerídeos acima de 150mg/dL e 5) colesterol HDL <40mg/dL. Quando um indivíduo apresenta 3 desses 5 critérios ele é portador de SM. A terapia com testosterona melhora os componentes da síndrome metabólica. Diversos estudos demonstraram que a TRT diminui a glicemia de jejum, insulina em jejum, hemoglobina glicada, circunferência abdominal, colesterol total, índice de massa corporal (IMC), índice HOMA de resistência à insulina e a própria prevalência da SM.31,32,33Na esfera sexual a TRT pode melhorar diversas situações como baixa libido e disfunção erétil. Trabalho publicado por Hwang34mostrou que a TRT pode resgatar pacientes impotentes que não respondem às medicações via oral. Dos 35 homens avaliados, 40% readquiriram a ereção somente com TRT não precisando mais de medicação oral e 30% voltaram a ter ereções de boa qualidade, mas usando medicação. A deficiência de testosterona está associada à maior mortalidade. Shores35, realizou um estudo comparativo com base em 1.031 homens com idade acima de 40 anos e níveis de testosterona ≤250ng/dL. Dos 1.031 indivíduos com DT, 398 (39%) receberam tratamento. Os pacientes foram acompanhados por cerca de 4 anos e foi observado que entre os indivíduos que realizaram reposição hormonal a taxa de mortalidade foi de 10,3%. Entre os não tratados esse percentual foi o dobro (20,7%). Resultado similar foi encontrado por Muraleedharan36em trabalho com 581 homens com diabetes tipo II que bo oforam seguidos por cerca de 6 anos. As taxas de mortalidade foram comparadas entre os pacientes com testosterona baixa (≤300ng/dL) e os com testosterona normal (>300ng/dL). A mortalidade foi maior no grupo com DT (17,2%) quando comparada aos indivíduos comtestosterona normal (9%). Uma segunda análise foi realizada com um subgrupo de pacientes com DT que foram tratados. A mortalidade nesse grupo se igualou à dos homens com testosterona normal.

 

EFEITOS COLATERAIS DA REPOSIÇÃO DE TESTOSTERONA

 

   Os efeitos colaterais da TRT sempre serão proporcionais aos níveis de testosterona atingidos. Em função disso, é necessário diferenciar TRT de abuso da testosterona. Nos casos de abuso, que são comuns nos ambientes das academias e entre praticantes de diversos esportes (amadores, principalmente) os efeitos colaterais são intensos podendo inclusive deteriorar a saúde do indivíduo. Para que o leitor entenda, um atleta de fisiculturismo chega a usar doses de testosterona 10 vezes mais elevadas que um paciente de TRT. Outro problema no abuso é a procedência da testosterona que geralmente mente é vendida no mercado negro. Mais da metade dessas medicações são adulteradas e/ou contaminadas com substância tóxicas. Por outro lado, a TRT busca somente corrigir uma falha do testículo em proporcionar níveis fisiológicos de andrógenos. Nesse cenário, os efeitos colaterais são mínimos. Existe também uma escala dos protocolos de TRT no que diz respeito a efeitos colaterais. Em um extremo está a testosterona gel com quase zero de colateral e em outro extremo está o Cipionato que por apresentar níveis mais elevados de testosterona é o protocolo com maior taxa de efeitos adversos. A infertilidade secundária a atrofia testicular é o colateral mais comum.37Por isso, pacientes jovens interessados em estabelecer gravidez no futuro não podem usar testosterona (principalmente as injetáveis). Para esses indivíduos se indica a estimulação testicular com Clomifeno, Anastrozol ou HCG.38,39Eritrocitose, que é o aumento dos glóbulos vermelhos no sangue também pode ocorrer.40Ginecomastia (aumento das mamas) é uma complicação rara e está associada à aumento do estrógeno secundário a reposição de testosterona. A TRT não tem efeitos negativos sobre o sistema cardiovascular ou micção. Preocupações históricas com hiperplasia prostática benigna e câncer de próstata não tem fundamentação científica.

 

TESTOSTERONA E CÂNCER DE PRÓSTATA

 

   Um dos maiores mitos da medicina é que a reposição de testosterona está associada ao aparecimento ou progressão do câncer de próstata. Existe um fundo histórico para isso. Em 1941, Huggins41publicou um estudo em homens com câncer de próstata metastático. Esses indivíduos foram submetidos à castração química com a administração de estrógenos e os níveis das fosfatases (enzimas que indiretamente estimam o volume do tumor) foram medidos antes e depois da castração. O que foi observado é que a redução acentuada da testosterona esteve associada a uma redução significativa das fosfatases. Huggins então concluiu que com a castração era possível reduzir o volume da doença nesses casos avançados de câncer de próstata. Em três desses pacientes tratados com estrógenos, foram realizadas posteriormente injeções diárias de propionato de testosterona e o que se viu foi um aumento principalmente da fosfatase ácida. Em um paciente (que ficou conhecido por suas iniciais O.A.) houve redução das fosfatases após a suspensão da testosterona seguido de um aumento secundário. Os autores então concluíram haver uma estreita correlação entre os níveis de testosterona e o câncer de próstata. Em 1966 Huggins recebeu o prêmio Nobel de medicina por esses achados e a castração para controle do câncer de próstata metastático é realizada até os dias de hoje. Mas percebam que a conclusão de que o aumento da testosterona estimularia o câncer de próstata (CaP) tinha por base apenas um paciente! A partir dos anos 90 começaram a ser publicados uma série de estudos abordando esse tema e os resultados iam em sentido oposto ao descrito por Huggins. Behre42(1994) comparou o volume da próstata e os níveis de PSA de três grupos de pacientes: a) homens com deficiência de testosterona (DT) não tratada; b) indivíduos com DT tratada por 6 meses e c) homens com testosterona normal. Não houve diferença entre os grupos. Morgentaler43(1996) observou uma taxa de biópsias positivas para CaP de 14% em homens com testosterona baixa. Em duas séries do mesmo período em homens com testosterona normal essa taxa foi de 5,69% (Labrie44) e 14,6% (Cooner45). Schatzl46, relatou uma taxa mais elevada de CaP de alto grau e pior prognóstico em homens com testosterona baixa quando comparado a indivíduos com testosterona normal. Stattin47verificou que níveis crescentes de testosterona reduziam o risco de CaP. Massengill48, avaliando pacientes submetidos a prostatectomia radical, descreveu um número maior de homens com CaP avançado quando a testosterona era baixa. Um dos estudos mais robustos no tema foi o publicado por Roddam49onde foram analisados 10.324 pacientes de 18 estudos longitudinais de base populacional. Nenhuma correlação entre os níveis de testosterona total, testosterona livre, dihidrotestosterona e CaP foi identificada. Trabalhos avaliando a taxa de CaP em pacientes fazendo reposição de testosterona também foram conduzidos. Haider50observou uma taxa cerca de 5 vezes menor de CaP nesses indivíduos quando comparados a estudos populacionais do mesmo período. De modo interessante, não se encontra na literatura trabalhos que demonstrem que testosterona mais elevada está associada ao CaP. Os três principais fatores de risco para CaP são a história familiar, raça negra e idade avançada. Com relação à idade é importante observar que a testosterona tende a reduzir com o envelhecimento justamente quando o CaP passa a ser mais frequente. Morgentaler51publicou em 2009 a teoria da saturação dos receptores androgênicos da próstata. De acordo com esse conceito, o número de receptores para testosterona na próstata é constante e ficam totalmente saturados com um nível de testosterona no sangue de 250ng/dL. Dessa forma, não há diferença na ação da testosterona na próstata para concentrações acima desse valor. Então quando se faz reposição hormonal e se normaliza a testosterona para valores entre 500-600 ng/dL o impacto na síntese de proteínas e fatores de crescimento na próstata é nulo. Hoje em dia não há questionamento na comunidade médica sobre a segurança da reposição de testosterona no que diz respeito a risco para câncer de próstata. A própria agência reguladora norte americana (FDA) em seu site reconhece como segura a reposição de testosterona. Uma outra linha de pesquisa que vem sendo desenvolvida é sobre a reposição de testosterona TRT) em pacientes com câncer de próstata que já receberam tratamento curativo. Existem três estudos52,53,54 envolvendo 74 pacientes com PSA indetectável após a cirurgia radical que receberam TRT e foram acompanhados por 12 anos. Não foram observadas recidivas do CaP. Sarosdy55 publicou uma série de 31 homens submetidos a braquiterapia que receberam TRT. Sem recidiva do PSA em 4,5 anos de seguimento. Também se está estudando a possibilidade de TRT em pacientes com CaP que estão sob vigilância ativa (ainda não tratados). Morgentaler56, realizou TRT em 13 homens em vigilância ativa e após 2,5 anos de seguimento todos os pacientes relataram melhora dos sintomas. Não foram observados aumentos do PSA ou progressão do CaP. Inclusive, em 54% das rebiópsias, os resultados foram negativos. Ravi Kacker (2016) estudando 28 pacientes em TRT observou uma taxa de progressão do Escore de Gleason após 40 meses de seguimento de 32,1%. No grupo controle esse percentual foi de 44,7%. Em outras series de vigilância ativa sem TRT a progressão foi observada em 47,3% e 30,6%. A suposição de que TT causa maior crescimento de CaP em homens não tratados representa a persistência de uma crença histórica não revista. Este modelo histórico é excessivamente simplista, sugerindo que TT fornece um estímulo para o crescimento do CaP como uma variável contínua (ou seja, mais TT, mais crescimento). A evidência disponível apóia um modelo diferente no qual o crescimento de CaP é estimulado em concentrações de TT próximas à castração, mas logo atinge um ponto de saturação onde níveis mais altos de TT não fornecem estímulo adicional para o crescimento. Esse modelo de saturação explicaria por que o CaP raramente ocorre em jovens, apesar da eventual presença de microfocos de CaP e altos níveis de TT e também porque o comportamento e as características do CaP não parecem se correlacionar com os níveis de TT dentro dafaixa fisiológica.

 

TESTOSTERONA E RISCO PARA DOENÇAS CARDIOVASCULARES

 

   A discussão sobre um provável efeito negativo da reposição de testosterona sobre o sistema cardiovascular ganhou popularidade a partir de um estudo publicado por Vigen em 201357. O artigo tinha o seguinte título: “Associação da terapia com testosterona com mortalidade, infarto do miocárdio e derrame em homens com baixos níveis de testosterona”. Se formos colocar em uma perspectiva histórica, em 2009 tinha sido lançada a teoria da saturação dos receptores androgênicos da próstata e havia um grande otimismo da comunidade médica com a TRT e esse trabalho trouxe dúvidas sobre a segurança cardiovascular da reposição de testosterona. Contudo, foram apontadas falhas metodológicas importantes nesse trabalho. A primeira coisa que chamou atenção foram os dados brutos do artigo. Antes do tratamento estatístico, o número de óbitos entre os pacientes que não receberam TRT foi duas vezes maior do que no grupo com TRT (21,2% contra 10,1%). Porém, quando aplicada uma análise multivariada desenvolvida por um dos autores do trabalho esse resultado inverteu. Pesquisadores aventaram duas possibilidades, ou o modelo de análise estava incorreto ou havia algo de errado com os dados. Em março de 2014 houve um questionamento da comunidade científica sobre a exclusão de 1.132 homens que apresentaram eventos adversos e não tinham recebido TRT e sobre a inclusão inicial no trabalho de 100 mulheres. O debate ficou acirrado e 160 pesquisadores de 32 países e 29 sociedades médicas internacionais pediram a exclusão do artigo58.Estudo conduzido por Finkle59mostrou risco aumentado para infarto do miocárdio (IAM) não fatal em homens que receberam prescrição de testosterona. Contudo, esse trabalho também apresenta limitações metodológicas. Os autores não tiveram acesso ao histórico médico dos pacientes. Assim, fatores de risco para IAM (hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo, dislipidemia e etc.) eram desconhecidos. O grupo de comparação era composto de pacientes que receberam prescrição de medicações para a ereção, o que não representa a população em geral. Apesar de todos os problemas, esses dois artigos ainda são citados no site do FDA como sinal de alerta para a prescrição de testosterona. Por outro lado, existem evidências robustas de que a TRT não tem efeito negativo sobre o sistema cardiovascular. Existem duas meta-análises publicadas por Corona60,61 que ilustram bem isso. No primeiro trabalho foram avaliados 37 estudos observacionais incluindo 43.041 indivíduos.O autor concluiu que a baixa testosterona esteve associada à mortalidade, mortalidade cardiovascular e morbidade (doença) cardiovascular e que a testosterona baixa seria um fator de risco para eventos cardiovasculares. No segundo trabalho, o objetivo foi determinar se o tratamento da deficiência de testosterona seria um fator de risco para doença cardiovascular. Foram avaliados 15 estudos fármaco-epidemiológicos e 93 estudos randomizados controlados com um total de 8.479 pacientes. O autor concluiu que a reposição hormonal não aumentou a taxa de infarto, AVC ou mortalidade geral. Pelo contrário, em indivíduos obesos a terapia de reposição hormonal se mostrou benéfica. De forma esperada, o autor sugere que sejam realizadas pesquisas específicas de longo prazo para avaliar se a TRT realmente consegue reduzir os eventos cardiovasculares e a mortalidade geral.Um ponto pacífico na comunidade científica é que se deve evitar a prescrição de testosterona para pacientes com doença cardiovascular estabelecida ou em pacientes com alto risco para doença cardiovascular.

 

CONCLUSÃO

 

   A reposição de testosterona tem grande impacto positivo na qualidade de vida do indivíduo. Existe literatura robusta que demonstra a segurança da TRT tanto do ponto de vista do desenvolvimento do câncer de próstata quanto do risco para doenças cardiovasculares.

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